Por Carlos Peixoto
Acabo de analisar o Relatório da Administração 2020 da Natura (2). O grupo multinacional brasileiro Natura & Co (3) é composto de Avon, Natura, The Body Shop e Aesop. Vale à pena ler. Nem que seja só para se ter uma noção de como uma organização com um propósito relevante e bem administrada atravessa um período de crise sem abrir mão de seus princípios. A maneira como eles prestam contas já demonstra um jeito diferente de falar com os stakeholders. A narrativa é leve e esclarecedora. Os termos não são rebuscados, embora a linguagem seja séria e sem rodeios. É uma conversa com as partes relacionadas. A mensagem do Conselho de Administração, que tem o sugestivo título “Um chamado à união”, é realmente inspiradora. Ressalto alguns poucos trechos:
“… Com coragem, determinação, resiliência e agilidade, os membros de nossa rede (colaboradores, vendedores nas lojas, consultoras e representantes, fornecedores, comunidades e clientes) usaram sua criatividade e sua energia para fazer frente aos desafios da pandemia, tornando ainda mais vivos os símbolos presentes no ‘&’ e no ‘Co” que estão inscritos em nosso nome e passaram a constituir também a nossa essência. A todos os que compõem a nossa rede, nossos sinceros agradecimentos pela superação com que conseguiram conciliar suas vidas com suas atividades…”
“… Diante de um cenário de enorme imprevisibilidade, elegemos uma prioridade e escrevemos uma mensagem a toda nossa rede lembrando que era ‘tempo de cuidar’. De si e dos outros. Um dos símbolos relevantes dessa escolha foi a decisão do Comitê de Operações do Grupo no auge da incerteza causada pela pandemia: propor à nossa liderança que abrisse mão de parte de sua remuneração para contribuir com o enfrentamento da crise e assegurar a continuidade das ações do grupo. Ao fim do ano, com os expressivos resultados financeiros obtidos pela Natura & Co pudemos devolver a todos essas doações. Parte desses resultados se deveu à rápida adoção de tecnologias digitais em todos os nossos negócios em 2020, demonstrando o acerto dos nossos investimentos estratégicos dos últimos anos…”
A mensagem dos 4 CEO’s é outra peça que leva à reflexão. Não a repetirei aqui para não ser enfadonho e para lhes dar a chance de degustar por si mesmos, mas o título é marcante: “Fazendo a coisa certa”. Sem dúvida ficarão inspirados e como eu, terminarão a leitura com aquela sensação de não estar sozinhos nessa verdadeira selva que é o mundo dos negócios.
Os resultados do ano são apresentados nas seções “Desempenho”, “Estratégia”, “Destaques Socioambientais”, “Governança” e logo as “Demonstrações Financeiras”, objeto da obrigação legal de publicidade, oportunidade muito bem aproveitada por eles para exibir os propósitos corporativos.
A Natura & Co teve um crescimento de vendas da ordem de 12.1% e o EBITDA (4) cresceu 5.1% comparados com o ano anterior. Seu Patrimônio Líquido Consolidado em 31 de dezembro de 2020 fechou em mais de 27 bilhões de reais.
O ano de 2020 foi desafiador para todos nós, tanto na PF como na PJ, grandes e pequenos, com o ambiente de negócios sofrendo enormes pressões de baixa em decorrência da crise internacional desencadeada pela pandemia de Covid-19. Ainda assim a Natura obteve sucesso em suas duas capitalizações, que totalizaram quase oito bilhões de reais. Os administradores creditam esse sucesso à confiança do mercado no propósito da companhia. E os investidores, obviamente acreditam na capacidade dos administradores de levar adiante os negócios seguindo esses critérios de sustentabilidade, gerando valor no longo prazo. Os objetivos foram claramente alcançados em 2020, com a revitalização da Avon, recentemente adquirida, forte investimento em iniciativas digitais e na implementação do que chamam “Compromisso com a Vida”, com metas socioambientais para 2030. Além da otimização da estrutura de capital corporativa, reduzindo a alavancagem e o endividamento em moeda estrangeira.
No item “Governança”, vale anotar que a Natura conta em seu Conselho de Administração (CA) com 8 conselheiros independentes do total de 12 membros, entre eles 3 mulheres. A experiência internacional do CA resultou na solidez das decisões tomadas em quesitos como a integração com a Avon, as iniciativas digitais, o enfrentamento da Covid-19 e nos temas relacionados à estrutura societária e de capital da empresa.
Na seção “Socioambiental”, ressaltam o lançamento em junho de 2020 do Compromisso com a Vida, cujo princípio norteador “é darmos respostas de negócios aos principais problemas socioambientais que o mundo enfrenta, gerando impacto positivo”. São três os seus pilares: (a) enfrentar a crise climática e proteger a Amazônia; (b) defender os direitos humanos, garantindo igualdade e inclusão; e (c) transformar os negócios da empresa rumo à circularidade e à regeneração. Cada um desses pilares envolve metas e ações a serem executadas e monitoradas até o final da década.
E olha que não estou falando aqui de uma ONG. Esses são objetivos chave incrustados na estratégia de negócios do quarto maior grupo de cosméticos do mundo. Algo ambicioso, porém, plenamente possível, pelo que se pode ver da reputação de que disfruta junto a clientes, investidores e comunidades onde atua.
Em janeiro de 2021 a Natura &Co Holding S.A. tornou-se o maior grupo a obter a certificação como Empresa B (5, 6). A Natura foi recertificada em 2020, ano em que a Aesop recebeu o selo pela primeira vez, enquanto que a The Body Shop é Empresa B desde 2019. Já a Avon, deverá estar certificada até 2025, pelos planos da companhia.
Digno de nota esse exemplo brasileiro de que o ESG não é de agora e veio mesmo para ficar.
- https://negocios.pro.br/2021/02/08/sera-que-o-esg-veio-para-ficar/
- Valor Econômico de Sexta-feira 5 de março de 2021 (B29 a B38)
- https://www.natura.com.br/a-natura/nossa-historia
- Do acrônimo em Inglês Earnings Before Interests, Taxes, Depreciation and Amortizations ou LAJIDA em Português, Lucro Antes de Juros, Imposto de Renda (inclui CSLL), Depreciação e Amortizações
- https://bcorporation.net
- https://www.sistemabbrasil.org/sobre
Excelente Peixoto , concordo plenamente com sua opinião
Inspirador né??!? O propósito norteia independente da ” crise”. Muito bom, Peixotao!
Muito relevante o teu comentário Peixoto! A Natura é um exemplo a ser seguido. E no domínio do meio ambiente ela é absolutamente impecável.
Excelente leitura!!
Carlos Peixoto, excelente exemplo do Conselho de Administração. Oportuno o seu artigo que vamos espalhar a fim de que outros CAs sejam contagiados. Parabéns!